No Brasil, tem sido comum a interpretação equivocada de um trecho do Diário de Santa Faustina Kowalska, em que a santa relata uma visão do purgatório. Muitas traduções e explicações populares afirmam que as Almas do Purgatório sentem “saudade de Deus”, impregnando esse conceito com um sentimentalismo romântico inadequado à realidade espiritual profunda ali descrita. Essa interpretação, embora emocionalmente tocante, peca por ser teologicamente imprecisa e linguisticamente simplificadora — e por isso mesmo, perigosa.
O Texto Original e sua Tradução Correta
Santa Faustina escreve em polonês:
„I zapytałam się tych dusz, jakie jest ich największe cierpienie? I odpowiedziały mi jednogłośnie, że największe dla nich cierpienie to tęsknota za Bogiem.”
Tradução fiel:
“E perguntei a essas almas qual é o maior sofrimento delas. E elas me responderam em uníssono que o maior sofrimento para elas é a ausência de Deus.”
A palavra-chave aqui é “tęsknota”, que pode ser traduzida como saudade, mas cujo significado primário é “anseio profundo”, “desejo doloroso por algo ausente” ou simplesmente “ausência sentida com intensidade”. No contexto do purgatório, essa palavra não carrega o mesmo teor afetivo, doce e nostálgico da palavra “saudade” no português brasileiro — que muitas vezes está associada à lembrança carinhosa de algo que foi vivido.
A Experiência da Alma no Juízo Particular
Segundo a tradição cristã, após a morte, a alma comparece diante de Deus no chamado juízo particular. Ali, ela vê Cristo glorificado, a beleza do Céu, a comunhão dos santos e anjos. Se a alma morreu em estado de graça, mas ainda precisa purificar penas devidas aos pecados cometidos (mesmo já perdoados), ela não poderá entrar diretamente no Céu. Então, mesmo tendo visto a glória de Deus, será levada ao purgatório para essa purificação.
Isso significa que as almas do purgatório já tiveram uma experiência direta, embora breve, da visão beatífica — algo que transcende toda expectativa humana. O maior sofrimento, então, não é a “saudade” de algo que nunca conheceram, mas sim o tormento da ausência de algo que viram, desejam ardentemente e sabem que ainda não podem possuir plenamente. Essa privação temporária, mas dolorosíssima, da presença de Deus — cuja glória conheceram — é o que constitui o sofrimento mais agudo do purgatório.
O Perigo da Adaptação Sentimental
Reduzir essa realidade teológica e espiritual à ideia de “sentir saudade” trivializa o sofrimento das almas do purgatório. Além disso, tal interpretação leva os fiéis a romantizar a doutrina da purificação após a morte, encobrindo o caráter doloroso, justo e necessário desse estado transitório. Ao traduzir tęsknota por "saudade", corre-se o risco de apresentar o purgatório como uma experiência meramente nostálgica, quase serena, quando na verdade trata-se de uma profunda purificação, marcada por dor, desejo intenso e ausência da plena comunhão com Deus.
É essencial que catequistas, pregadores e formadores tenham precisão ao traduzir e interpretar passagens como esta do Diário de Santa Faustina. O uso impreciso da palavra “saudade” pode levar a uma visão sentimental e descomprometida da realidade do purgatório. A verdadeira dor dessas almas é a ausência de Deus após tê-Lo vislumbrado — uma dor que clama por purificação, não por consolo poético.
Retomar o sentido original e teológico de expressões como tęsknota za Bogiem é um dever de fidelidade à mensagem dos santos e à verdade revelada pela Igreja.
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